31 agosto 2017

Cartas brasileiras: a rebelião no Convento de Santa Clara

Clemente VIII era o papa, Filipe III, rei de Portugal, o ano 1602. Jerônimo Rodrigues, natural de Vila Real, "reverendo licenciado", decidiu erguer um convento na vila, dedicado a Nossa Senhora do Amparo, cujas obras foram concluídas seis anos depois. Para lá foram as religiosas de Santa Clara da Vila de Guimarães e de Amarante. 

As noviças eram acolhidas em clausura perpétua, irrestrita obediência, sob as ordens da abadessa nomeada pelo arcebispo ou por eleição trienal, sem recondução ao cargo, votando apenas quem tivesse pelo menos cinco anos de hábito e promessas de voto. O convento chegou a acolher setenta e cinco religiosas, cuja admissão passava pela aprovação da abadessa e do prelado. Por desejo do fundador, uma vaga seria sempre reservada para parente dele sem dote, sem interferência do prelado. 

Em 1718, um episódio monástico, jamais imaginado, agitou a região; as obedientes religiosas, separadas em dois grupos promoveram uma rebelião. Um grupo, comandado pela abadessa e seguido pelas freiras mais idosas, em favor da disciplina claustral, e o grupo das mais jovens; essas últimas pretendendo abandonar o convento. Avisado, o vigário geral compareceu ao convento, após ter feito severa admoestação, retirou-se imaginado ter acalmado os ânimos. 

Contudo, à noite, as rebeldes, tendo avisado seus "protetores" e por eles amparadas, fugiram. Os ditos protetores, esconderam os rostos, protegidos por mascaras; "ignoram-se os nomes daqueles cavalheiros, mas sabe-se, pertenciam às primeiras famílias da terra...". A notícia logo se espalhou. Um jovem frei tentando conter a debandada foi esfaqueado por um dos mascarados. 

No mesmo dia, um tribunal pleno foi instaurado, e S.M. o rei D. Joao V foi comunicado. Por ordem do Rei, foram enviados ao local 100 homens da infantaria e 100 da cavalaria, com ordem determinante, "devassar os acontecimentos". 

Mas, de tudo resultou apenas: o abade foi preso e as duas freiras removidas para outros conventos. E nada mais se falou, não há registros, tanto por envolver poderosos do lugar, como pelo fato de ter sido a estranha ocorrência desairosa para o lugar. 

Em decorrência do decreto de 1834 que acabou com as instituições religiosas em Portugal, o convento deveria permanecer até à ultima freira viva, contudo sem renda, a derradeira foi expulsa, foi tomado de vez 1855, o que era mesmo de se esperar, pois "pelas poucas freiras que restavam, se achavam todas caducas os prestes a caírem nas covas". 

Essa história encontrei em Portugal Antigo e Moderno, Dicionário de Todas as Cidades, Vilas e Freguesias de Portugal, volume XI, páginas 986-990. Publicado em 1886, tendo como autor, Augusto Soares de Azevedo Barbosa PINHO LEAL.


P.S. : ao buscar uma foto do convento, acabo de encontrar isso: Farol da Nossa Terra – LENDA DO DIABO ENTRE AS FREIRAS DE SANTA CLARA – VILA REAL

2 comentários:

  1. Olá Paulo,
    Super interessante esse episódio ocorrido com as religiosas de Santa Clara. Onde se conclui que os tempos mudaram muito desde aquela época. Bjs

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  2. Pois é; o interessante foi ter encontrado o episódio monástico em Portugal Antigo e Moderno, 12 volumes e escrito entre 1884/1890 (creio).... tenho folheado os volumes pela internet.
    https://genealogiafb.blogspot.pt/2015/02/portugal-antigo-e-moderno-diccionario_27.html?m=1


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